Capa mole, offset, 195x125mm, 160 pp.,
300 exemplares
(2.ª edição).


A Grande Bebedeira


René Daumal

texto: René Daumal
tradução: Lurdes Júdice
edição: Rui Paiva e Sofia Gonçalves
desenhos: João Maria Gusmão e Pedro Paiva
design: Sofia Gonçalves





«A Grande Bebedeira, único romance de René Daumal publicado em vida do autor, começou a ser escrito em Nova Iorque, (…) em 1932-33.
(…) A par da reflexão subjectiva e do desejo de transformação interior, está presente ao longo de todo o relato uma visão da sociedade da época, a sua crítica, e o desejo de a ver transformar-se. Deste ponto de vista, é particularmente interessante o panorama que nos é dado do mundo cultural, científico, religioso e político.
(…) Trata-se de um romance muito centrado na realidade, mas onde esta é descrita de forma surrealista, num tom humorístico e paródico, com grande imaginação e um domínio total da língua e da linguagem, como é característico no estilo de Daumal.»Lurdes Júdice (2016) in “Apresentação”, A Grande Bebedeira


«A Grande Bebedeira (...) talvez possa ser classificado como um cataclismo. Um livro, na verdade, inclassificável e misterioso como o seu autor, cuja obra é agora publicada em Portugal, pela primeira vez.» Carlos Vaz Marques, «A Grande Bebedeira» em O Livro do Dia, TSF (03.04.2017)


«O Grand Jeu junta homens cuja única pesquisa é uma evidência absoluta, imediata, implacável que matou neles, para sempre, qualquer outra preocupação.
O
Grand Jeu junta homens que apenas têm uma Palavra a dizer, sempre a mesma, infatigavelmente, em mil linguagens diversas; a mesma Palavra proferida pelos Rishis védicos, pelos Rabis cabalistas, pelos profetas, pelos místicos, pelos grandes heréticos de todos os tempos, e pelos Poetas, os verdadeiros.
O
Grand Jeu quer travar uma luta sem tréguas, sem piedade, em todos os planos, contra os que traem esta revelação em proveito do interesse egoísta, humano, individual, social: padres, eruditos, artistas.
O
Grand Jeu exige uma Revolução da Realidade no sentido da sua origem, mortal para todas as organizações protectoras das formas degradadas e contraditórias do ser; é portanto o inimigo natural das Pátrias, dos Estados imperialistas, das classes dirigentes, das Religiões, das Sorbonnes, das Academias.
O
Grand Jeu apenas reconhece como conhecimento, a identificação actual do sujeito com o objecto; como liberdade, a libertação por reconhecimento da necessidade universal determinando-se

Sem livre-arbítrio
Sem capricho, sem fantasia
Sem coisas bonitas
O
Grand Jeu é primitivo, selvagem, antigo, realista»
René Daumal (Texto inédito. Tradução de Lurdes Júdice.)

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Enquanto bebia um rum muito mau, sem suspeitar da viagem que iria fazer dali a alguns minutos, tentei lembrar-me que viera para ouvir um discurso sobre o quê, sobre quê, sobre o poder das, como é que se dizia, tinha a palavra mesmo na ponta da língua, pus-me então à escuta, esqueci-me de abrir os olhos e, desgraça das desgraças, sem ter sequer tido tempo de apanhar o fio à meada, caíram-me em cima do estômago noventa quilos que me atiraram ao chão, me pediram desculpa, pediram desculpa ao chão, à minha garrafa, apresentaram desculpas a um banco, levantaram-se de um pulo com a prontidão de um sempre-em-pé — e era Amédée Gocourt, que me disse:
— Desculpa, meu velho, ando à procura da saída.
Era a última coisa que ele devia ter dito. Saíram logo da sombra três matulões que o agarraram pelo colarinho:
— Andas à procura de quê?
— Da saída, já disse.
— Caro Senhor, este lugar tem apenas três portas de saída — disse um dos matulões. — A loucura e a morte.
Contei pelos dedos e achei-me muito inteligente ao perguntar:
— E a terceira?

René Daumal, A Grande Bebedeira
RENÉ DAUMAL (Boulzicourt, 1908 – Paris, 1944) foi escritor, poeta, ensaísta e tradutor. Aos 6 anos é assaltado pela ideia de morte e pela angústia do absolutamente nada. Estas preocupações não lhe oferecem tréguas, e no início da adolescência, vê-se diante de outro dos seus maiores terrores: o desconhecido. Durante esta época leva a cabo um variado número de experiências numa tentativa de compreender a morte, os estados do sono e os diferentes níveis de consciência. Com estas experiências intui um outro mundo onde o pensamento supera os limites da linguagem discursiva. Em 1927, funda, com Roger Gilbert-Lecomte, Roger Vaillant e Robert Meyrat, o movimento de investigação literária e filosófica Le Grand Jeu. Deste movimento surge uma revista com o mesmo nome, e na qual Daumal edita os primeiros poemas e ensaios. Logo no primeiro número o grupo manifesta a intenção de colocar todas as coisas em questão e de acreditar em todos os milagres. Em 1932, durante a sua viagem aos Estados Unidos da América, começa a escrever A Grande Bebedeira, que reflecte a crise no seio de Le Grand Jeu e constrói uma crítica ácida da sociedade. Termina A Grande Bebedeira em 1937. Editado em 1938 pela Gallimard, é o seu único romance publicado em vida.
Tuesday Oct 5 2021