Caixa com 10 panfletos,
2 cartazes e um jornal, edição bilingue (português/inglês),
offset, 235x165mm,
224 pp., 500 exemplares.




Páginas Inquietas:
sobre documentos insubmissos


Mário Moura
e Susana Gaudêncio (eds.)



textos: Mário Moura e Susana Gaudêncio,
António Guerreiro, Helena Sofia Silva, Ricardo Nicolau
publicações-satélite: Isabel Carvalho, Márcia Novais, Oficina Arara
fotografias: Catarina Botelho
edição: Sofia Gonçalves e Susana Gaudêncio
design: Sofia Gonçalves
tradução: Susana Pomba
revisão: Sofia Gonçalves, Susana Gaudêncio


 



Alguns são objectos pequenos, portáteis, que se escondem no bolso ou na palma da mão. São assim para circular discretamente ou porque não há dinheiro para mais. Resumem-se a uma folha impressa dos dois lados, dobrada para simular a ideia de revista. Outros são grandes, demasiado grandes, é difícil desdobrá-los, as suas páginas viram-se com desordem e ruído. Lê-los em público chama necessariamente a atenção, incomoda a pessoa no lugar ao lado, da mesa do fundo, provoca o burburinho alheio. São o equivalente impresso de quem ouve música alto no autocarro. Outros são impossíveis de ler fora de casa: vêm em formatos estranhos, exóticos, caixas, posters que se dobram para fazer páginas, encadernações de elástico, capas que brilham como os espelhos com que se fazem sinais a partir de uma ilha deserta. Alguns cheiram a novo, acabados de fazer; outros envelheceram, melhor ou pior. O mesmo formato que os tornou tão estranhos e ofensivos ameaça destruí-los, rasgá-los, torcê-los, esmagá-los.


Páginas Inquietas apresenta publicações cujos temas se relacionam com a urgência do acto político, social ou subversivo. E cujo aspecto gráfico chama a atenção. Tenta-se perceber se a sua política se alicerça – ou não – nas suas formas gráficas, no seu formato, nos seus materiais. Foram eleitas cerca de cinquenta publicações nacionais e internacionais, produzidas entre 1901 e 2019, organizadas em seis núcleos temáticos:

1) SUBVERSÃO PELO CORREIO. Objectos concebidos para distribuição postal, que permitem formatos e conteúdos exóticos, agressivos e/ou frágeis demais para serem distribuídos em livrarias.

2) PASQUINS DE RUA. Objectos de intervenção e mobilização directa.

3) REVOLUÇÃO, ALEGRIA, DESILUSÃO. Objectos sobre o 25 de Abril de 1974, antecipando-o, comemorando-o, registando-o, desde a euforia à desilusão e à memória.

4) CIDADÃOS DA REPÚBLICA GRÁFICA. Objectos que se situam na esfera pública, comentando-a, criticando-a, levantando-lhe um espelho caricatural que permite vê-la tal como é.

5) PODE-SE ESCREVER COM ISTO. Objectos que derivam a sua existência de graffitis, panfletos e outros formatos efémeros.

6)IDENTIDADE X. Objectos que, através da edição, criam espaços de ensaio e construção para novas identidades públicas, abordando assuntos políticos de representação, género, sexualidade, etc.

Para enfatizar o carácter lacunar do arquivo e inscrevê-lo no presente, convidou-se a artista Isabel Carvalho, a designer Márcia Novais e o colectivo de designers e artistas Oficina Arara, para reler este acervo, e a partir de uma dimensão artística/poética/política produzirem três novos objectos insubmissos. Páginas Inquietas inclui também três ensaios do curador e editor Ricardo Nicolau, do crítico literário e ensaísta António Guerreiro, e da professora e investigadora Helena Sofia Silva. A artista Catarina Botelho produziu uma série de nove imagens – Resistência vegetal –, uma por cada ensaio e núcleo temático, que assim cria um sistema de ressonâncias com os livros, publicações e documentos insubmissos.
Projecto apoiado pelo Programa Criatório/Porto. PRÉMIO DESIGN DE LIVROS 2020 (DGLAB).


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Um princípio determinante do comércio dos livros, aquele que diz que «livro exposto é livro vendido», tornou-se o motivo de uma guerra civil neste sector porque o privilégio da exposição ficou bastante diminuído e há evidentemente espécies bibliográficas que são mais atingidas do que outras por essa limitação. Certo é que uma série de contingências do mercado livreiro e dos hábitos de leitura (que uma sociologia da cultura descreve e analisa) determinaram progressivamente as decisões e cálculos respeitantes ao aspecto dos livros, ao tipo de papel utilizado, à imagem da capa e a toda a sua produção gráfica e tipográfica.

E foi assim que os códigos de identificação das espécies de livros e do lugar que eles ocupavam na hierarquia cultural foram enfraquecendo ou cedendo à indiferenciação e ao ecletismo. E as fronteiras esbateram-se: livros que pertencem à esfera da «alta cultura» (uma designação que hoje requer aspas) são produzidos e editados como os livros que satisfazem o sector hegemónico da cultura de entretenimento, numa época em que, na verdade, deixou de ser possível estabelecer nítidas diferenças entre o gosto das elites e o gosto das massas.

António Guerreiro, «Os livros, entre dois mundos», Páginas Inquietas
MÁRIO MOURA  é blogger, conferencista, crítico. É autor dos livros Design em Tempos de Crise (Braço de Ferro), O design que o design não vê (Orfeu Negro) e A força da forma (Orfeu Negro). Escreve no blog Ressabiator e Unseen by design. É editor da revista Monumentânea (Grandes Armazéns do Design) e Impossuível. A convite do curador Miguel Wandschneider, deu uma série de seis conferências sobre livros na Culturgest Lisboa. Em 2014, comissariou a exposição “O Resto da Revista” na Biblioteca Piteira Santos, Amadora.  Em 2011, concluiu a sua tese de doutoramento onde desenvolveu metodologias críticas para tratar a autoria no design. É professor auxiliar na Faculdade de Belas Artes do Porto, onde lecciona história e crítica do Design, tipografia, edição.  

SUSANA GAUDÊNCIO é artista.  Entende a produção artística como plataforma para encontrar novas possibilidades de problematização da utopia, enquanto dispositivo crítico do quotidiano, eminentemente político. Publicou, entre outros, o livro Época de estranheza em frente ao mundo (2012, Dois Dias); Luz Perpétua (2014, Fundação EDP); Repertório: histórias e estórias de cartazes (2016, publicação produzida no âmbito de “Your body is my body. Coleção de Cartazes de Ernesto de Sousa”, Museu Coleção Berardo, Lisboa). Comissariou a exposição “Viagens de livros. O livro de artista nos 25 anos da ESAD.CR” (MiMO, Leiria, 2015), e a exposição “Páginas Inquietas: sobre documentos insubmissos” (Espaço Mira, Porto, 2016). É membro fundador do “Círculo de Leitoras Peripatéticas”, com Sofia Gonçalves e Susana Pomba. Coordenou o Programa Educativo da Trienal de Arquitectura de Lisboa e da Casa da Arquitectura em Matosinhos. É docente no Mestrado de Artes Plásticas/ESAD, Caldas da Rainha.
Tuesday Oct 5 2021