Capa mole,
offset, 195x125mm, 64 pp.
A analfabeta
Relato autobiográfico
Agota Kristof
textos: Agota Kristof
desenho capa: Afonso Paiva
tradução: Rui Almeida Paiva
edição, revisão e design: Sofia Gonçalves
Mantendo por um lado, num equilíbrio exímio, uma escrita depurada e assertiva, e, por outro, uma escrita profundamente poética (característica que é transversal na sua obra), Agota Kristof revela-nos, em A Analfabeta, os momentos chave da sua vida.
A partir de um número mínimo de episódios explorados em poucas páginas, concentra, desta forma, a matéria literária, em cada capítulo, com a letalidade e rigor de uma arma demolidora. Agota Kristof é, aqui, uma testemunha da sua experiência – desde a primeira infância até à entrada na velhice. Marcam-na a guerra, a fuga do seu país, a separação da família, a sobrevivência enquanto refugiada, na Suíça, e, sobretudo, a separação insanável para com a sua língua materna, o húngaro, e a luta permanente, que durará toda a vida, para conquistar o francês, a tal língua “inimiga” que a deixou de novo analfabeta, aos vinte e um anos, e que foi a principal responsável por ir aniquilando a sua língua materna.
A partir de um número mínimo de episódios explorados em poucas páginas, concentra, desta forma, a matéria literária, em cada capítulo, com a letalidade e rigor de uma arma demolidora. Agota Kristof é, aqui, uma testemunha da sua experiência – desde a primeira infância até à entrada na velhice. Marcam-na a guerra, a fuga do seu país, a separação da família, a sobrevivência enquanto refugiada, na Suíça, e, sobretudo, a separação insanável para com a sua língua materna, o húngaro, e a luta permanente, que durará toda a vida, para conquistar o francês, a tal língua “inimiga” que a deixou de novo analfabeta, aos vinte e um anos, e que foi a principal responsável por ir aniquilando a sua língua materna.
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Um dia, a minha vizinha e amiga, diz-me:
— Vi na televisão um programa sobre mulheres trabalhadoras estrangeiras. Trabalham durante todo o dia na fábrica e à noite ocupam-se das tarefas domésticas e dos filhos.
Digo-lhe:
— Isso foi o que fiz quando cheguei à Suíça.
Ela diz:
— Mas elas, para além disso, nem sequer sabem falar francês.
— Eu também não sabia.
A minha amiga sente-se incomodada. Não me pode contar a história impressionante das mulheres estrangeiras que viu na televisão. Esqueceu-se de tal maneira do meu passado que é incapaz de imaginar que eu também pertenci àquele grupo de mulheres que não conhecem a língua do país, que trabalham nas fábricas durante todo o dia, e que cuidam da família à noite.
Agota Kristof, Analfabeta: um relato autobiográfico
— Vi na televisão um programa sobre mulheres trabalhadoras estrangeiras. Trabalham durante todo o dia na fábrica e à noite ocupam-se das tarefas domésticas e dos filhos.
Digo-lhe:
— Isso foi o que fiz quando cheguei à Suíça.
Ela diz:
— Mas elas, para além disso, nem sequer sabem falar francês.
— Eu também não sabia.
A minha amiga sente-se incomodada. Não me pode contar a história impressionante das mulheres estrangeiras que viu na televisão. Esqueceu-se de tal maneira do meu passado que é incapaz de imaginar que eu também pertenci àquele grupo de mulheres que não conhecem a língua do país, que trabalham nas fábricas durante todo o dia, e que cuidam da família à noite.
Agota Kristof, Analfabeta: um relato autobiográfico
AGOTA KRISTOF nasceu em Csikvand, Hungria, em 1935. Teve dois irmãos, Jenö, que dizia ser o seu duplo, e Attila, que se tornará escritor. Aprende a ler muito rapidamente, aos quatro anos. Em 1944, a família muda-se para Köszeg, a futura cidade da Trilogia da Cidade de K., na fronteira austro-húngara. A Hungria é ocupada, em 1949, pelas tropas soviéticas. Agota Kristof entra no colégio interno de Szombathely. Para escapar às duras condições de vida e ao tédio, começa a escrever poemas e peças de teatro, e mantém um diário. Nenhum deste material literário sobreviveu. Em 1956, abandona clandestinamente o seu país na companhia do seu marido e da sua filha recém-nascida. Refugiam-se em Neuchatel, na Suíça.
Agota Kristof refugia-se igualmente na língua francesa, essa língua que lhe foi imposta pelo acaso, e que lhe iria “vampirizar” a língua materna. Trabalha durante anos como operária numa fábrica de peças para relógios. Nas décadas seguintes, continua a escrever, sobretudo poemas e peças de teatro. Pouco deste material é publicado. Entre 1981 e 1984, escreve O Grande Caderno. Gilles Carpentier, das Éditions du Seuil, publica-o em 1986 e foi um sucesso imediato, tendo conquistado o Prémio Europeu do Livro, em 1987. A partir de então, dedica-se inteiramente à escrita, publicando A Prova, em 1988, seguido de A Terceira Mentira, em 1991, novamente com a Seuil, a sua editora regular. Estes três títulos são atualmente lidos como a Trilogia da Cidade de K.. Entretanto, em 1989 e 1990, a revista Du, de Zurique, publica em alemão os textos que viriam a constituir A Analfabeta. No final da sua vida, Agota Kristof deixa de escrever em francês e entrega todos os seus manuscritos, a sua máquina de escrever, e o seu dicionário bilingue húngaro-francês, ao Arquivo Literário Suíço. Em março de 2011, é-lhe atribuído o Prémio Kossuth, o mais prestigiado prémio literário da Hungria. Foi, para ela, um sinal de reconhecimento do seu país natal. Agota Kristof morre pouco tempo depois, a 27 de julho de 2011.
Agota Kristof refugia-se igualmente na língua francesa, essa língua que lhe foi imposta pelo acaso, e que lhe iria “vampirizar” a língua materna. Trabalha durante anos como operária numa fábrica de peças para relógios. Nas décadas seguintes, continua a escrever, sobretudo poemas e peças de teatro. Pouco deste material é publicado. Entre 1981 e 1984, escreve O Grande Caderno. Gilles Carpentier, das Éditions du Seuil, publica-o em 1986 e foi um sucesso imediato, tendo conquistado o Prémio Europeu do Livro, em 1987. A partir de então, dedica-se inteiramente à escrita, publicando A Prova, em 1988, seguido de A Terceira Mentira, em 1991, novamente com a Seuil, a sua editora regular. Estes três títulos são atualmente lidos como a Trilogia da Cidade de K.. Entretanto, em 1989 e 1990, a revista Du, de Zurique, publica em alemão os textos que viriam a constituir A Analfabeta. No final da sua vida, Agota Kristof deixa de escrever em francês e entrega todos os seus manuscritos, a sua máquina de escrever, e o seu dicionário bilingue húngaro-francês, ao Arquivo Literário Suíço. Em março de 2011, é-lhe atribuído o Prémio Kossuth, o mais prestigiado prémio literário da Hungria. Foi, para ela, um sinal de reconhecimento do seu país natal. Agota Kristof morre pouco tempo depois, a 27 de julho de 2011.