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Capa dura
c/ termoestampagem a dourado, offset, 210x150mm, 112 pp.,
500
exemplares.
Arroios
Diário de um diário
José Maria Vieira Mendes
texto: José Maria Vieira Mendes
design: Ana Teresa Ascensão
edição: Ana Teresa Ascensão, Rui Paiva e Sofia Gonçalves
Um diário chega a casa, algures, num bairro de Lisboa, e põe-se a existir.
Os dias sucedem-se. São anotados. Num desses dias, lemos: “Eis um diário. Não é
mais que isto. É procurar, em consciência, uma palavra e depois outra e depois
outra.”
Arroios. Diário de um diário, de José Maria Vieira Mendes, surgiu pela primeira vez em formato blogue enquanto desafio auto-proposto — a escrita de um texto, todos os dias, durante um ano. Uma leitora assídua, Ana Teresa Ascensão, pouco antes desse ano terminar, propôs ao autor converter o blogue em livro, tendo por mote revelar a estrutura intertextual da narrativa, desta feita, na página.
«Há um jogo muito pouco inocente com aquilo a que geralmente se chama ficção, neste livro que inventa o seu próprio género.»
António Guerreiro, «Isto não é um diário», Público (25.01.2016)
«Arroios só numa orla da sua própria criação é um diário. A forma por si engendrada como que teoriza o género diarístico, nas marcas traçadas pelas suas entradas, nas indicações temporais, na aproximação ao quotidiano. No entanto, não o põe integralmente em prática. Porque o esgota e, por conseguinte, procede noutras direcções. No sentido da reflexão sobre os limites da escrita sobre o quotidiano.»
Hugo Pinto Santos, «Ensaio Geral», Revista Caliban
Arroios. Diário de um diário, de José Maria Vieira Mendes, surgiu pela primeira vez em formato blogue enquanto desafio auto-proposto — a escrita de um texto, todos os dias, durante um ano. Uma leitora assídua, Ana Teresa Ascensão, pouco antes desse ano terminar, propôs ao autor converter o blogue em livro, tendo por mote revelar a estrutura intertextual da narrativa, desta feita, na página.
«Há um jogo muito pouco inocente com aquilo a que geralmente se chama ficção, neste livro que inventa o seu próprio género.»
António Guerreiro, «Isto não é um diário», Público (25.01.2016)
«Arroios só numa orla da sua própria criação é um diário. A forma por si engendrada como que teoriza o género diarístico, nas marcas traçadas pelas suas entradas, nas indicações temporais, na aproximação ao quotidiano. No entanto, não o põe integralmente em prática. Porque o esgota e, por conseguinte, procede noutras direcções. No sentido da reflexão sobre os limites da escrita sobre o quotidiano.»
Hugo Pinto Santos, «Ensaio Geral», Revista Caliban
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27.11.12
ACABEI Há uma boutique aqui por perto que exibe, há mais de um ano, o mesmo escaparate: “Nova coleção. É pr’acabar.” Estou capaz de sair de casa apenas para contemplar esta montra. Traz-me paz. Derrota a insónia. “É pr’acabar”. É para isso que aqui estamos. Acabar com a novidade.
21.10.13
FIM Disse logo pela manhã: “Está quase a acabar.” E em despedida voltei aos lugares dos meus dias. Passei pela biblioteca, o estabelecimento comercial entalado, o teatro, fui a Paris, passei pela florista, sentei-me no jardim, cumprimentei a vizinha, entrei na esquadra, recusei-me a transpor a soleira da porta da sapataria, arrisquei o baloiço no parque infantil e terminei na varanda a olhar o prédio em frente. Está quase a acabar, diz o diário, mas não sabe como.
14.2.13
TRÊS Hoje saí mais cedo, assim que senti silêncio. Escorrego pelas escadas até à rua. Evito o elevador. Sussurro em vez de escrever, mas não estou rouco, é só medo. Fui até à esquadra. Quis participar. Dirigi-me ao guichê e fiquei mudo. Sou ridículo. A minha vida é uma tragédia. Tive uma ideia: Acabar o dia mais cedo. Tive outra ideia: Acabar a semana mais cedo. Tive outra ideia ainda: Acabar a vida mais cedo. E outra ideia: Acabar a morte mais cedo. Acabar tudo mais cedo. Nunca mais voltar para casa. Ignorar o mundo. Colidir contra o planeta. Provocar uma extinção. Juntar-me à polícia. Ocupar a casa do vizinho de cima. Ir gritar para as escadas de serviço. Eis o meu bairro. É esta a minha vida, diz o diário. Ponto final parágrafo e gargalhada geral.
ACABEI Há uma boutique aqui por perto que exibe, há mais de um ano, o mesmo escaparate: “Nova coleção. É pr’acabar.” Estou capaz de sair de casa apenas para contemplar esta montra. Traz-me paz. Derrota a insónia. “É pr’acabar”. É para isso que aqui estamos. Acabar com a novidade.
21.10.13
FIM Disse logo pela manhã: “Está quase a acabar.” E em despedida voltei aos lugares dos meus dias. Passei pela biblioteca, o estabelecimento comercial entalado, o teatro, fui a Paris, passei pela florista, sentei-me no jardim, cumprimentei a vizinha, entrei na esquadra, recusei-me a transpor a soleira da porta da sapataria, arrisquei o baloiço no parque infantil e terminei na varanda a olhar o prédio em frente. Está quase a acabar, diz o diário, mas não sabe como.
14.2.13
TRÊS Hoje saí mais cedo, assim que senti silêncio. Escorrego pelas escadas até à rua. Evito o elevador. Sussurro em vez de escrever, mas não estou rouco, é só medo. Fui até à esquadra. Quis participar. Dirigi-me ao guichê e fiquei mudo. Sou ridículo. A minha vida é uma tragédia. Tive uma ideia: Acabar o dia mais cedo. Tive outra ideia: Acabar a semana mais cedo. Tive outra ideia ainda: Acabar a vida mais cedo. E outra ideia: Acabar a morte mais cedo. Acabar tudo mais cedo. Nunca mais voltar para casa. Ignorar o mundo. Colidir contra o planeta. Provocar uma extinção. Juntar-me à polícia. Ocupar a casa do vizinho de cima. Ir gritar para as escadas de serviço. Eis o meu bairro. É esta a minha vida, diz o diário. Ponto final parágrafo e gargalhada geral.
JOSÉ MARIA VIEIRA MENDES (Lisboa, 1976) é
um dramaturgo português. Filho de Miguel Lobo Antunes e Margarida Vieira
Mendes, foi colaborador do jornal da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, Os Fazedores de Letras. Frequentou, em 2000, a International
Residency do Royal Court Theatre de Londres. Esteve em 2005 em Berlim com uma
bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Escreveu Dois Homens, Morrer, Crime e Castigo, Lá Ao
Fundo o Rio, Chão e T1. Traduziu, entre outros, teatro de
Samuel Beckett, Duncan McLean ), Jon Fosse, Harold Pinter, Heiner Müller ou
Rainer Werner Fassbinder . É um dos responsáveis pela edição do Teatro de
Bertolt Brecht nos Livros Cotovia. O seu trabalho no teatro está de várias
formas ligado à companhia Artistas Unidos e é, desde 2008, membro do colectivo
Teatro Praga. Foram produzidas, entre outras, as suas peças "Dois
homens" (1998), "Lá ao fundo o rio" (2000), "T1"
(2003), "Se o mundo não fosse assim" (2004), "A minha
mulher" (2007), "O Avarento ou A última festa" (2007),
"Onde vamos morar" (2008), "Aos Peixes" (2008) e as peças
curtas "Proposta Concreta" (2005), "Intervalo" (2006) e
"Domingo" (2007). Mais recentemente escreveu "Ana" (2008),
"Padam Padam" (2009) e "Paixão Segundo Max" (2010),
"Terceira Idade" (2013). Algumas das suas peças foram já traduzidas
para inglês, francês, italiano, espanhol, polaco, norueguês, eslovaco, sueco e
alemão, com produções na Alemanha, Áustria e Suécia. Foi distinguido com o
Prémio Revelação Ribeiro da Fonte 2000 do Instituto Português das Artes do
Espectáculo, Prémio ACARTE/Maria Madalena Azeredo Perdigão 2000 da Fundação
Calouste Gulbenkian, Prémio Casa da Imprensa de 2005 para a área de Teatro, e
Prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia António José da Silva 2006, atribuído
pelo Instituto Camões (Portugal) e Funarte – Fundação Nacional de Arte
(Brasil), pela peça "A Minha Mulher".