Capa mole,
offset, 180x110mm, 432 pp.


Cata Log
Cata Strofe


Mattia Denisse
Arthur Dessine

textos: Mattia Denisse, Arthur Dessine, Bruno Marchand, Rui Almeida Paiva
desenhos: Mattia Denisse
design: Sofia Gonçalves
revisão: Dois Dias e Les Catacombistes 
edição: Dois Dias e Culturgest




Um transeunte: — O que é isto?
O livro: — Sou um romance putativo, um catálogo de ideias e uma ideia de catálogo, um programa de rádio, uma tragédia, uma fábula obsoletista, um livro de ficção científica, um ensaio literário sobre bricolage, um modo de emprego sem destino, um protocolo necessário, uma logorreia, a última actualização do mito, um engodo, um novo método para encher chouriços, um oráculo, um fracasso económico, um objecto biodesagradável, um livro de imagens com textos que as acompanham e de textos com imagens que os ilustram, o caos, uma tentativa de deformar bolsos, uma maneira de dar títulos aos títulos, o caos (bis), a verdade, toda a verdade, um paralelepípedo, 432 páginas em papel de 90g com um pouco de tinta…


«Cata Log Cata Strofe é o sétimo livro de Mattia Denisse. (...) Embora surja na sequência da exposição Hápax, apresentada na Culturgest, em Lisboa, entre 24 de Junho e 30 de Outubro de 2022, este livro não é um catálogo. O seu propósito não é documentar a exposição nem reproduzir de modo fidedigno as obras de Mattia Denisse. O seu objectivo é reunir, num volume o mais módico possível, o maior número de referências visuais e textuais do universo do autor. (...)
Na base do projecto esteve a intenção de fazer um livro de bolso, no formato 18 x 11 cm, a preto e branco, em tudo semelhante àqueles que, ao longo do século xx, ajudaram a democratizar o acesso à literatura. (...)
Cata Log Cata Strofe contém 1759 ilustrações distribuídas por 35 séries, correspondendo à quase totalidade da obra gráfica de Mattia Denisse produzida até à data. (...)
A introdução das séries no livro é feita por ordem alfabética de título. Esta opção sublinha o carácter referencial e indexical que o livro sempre pretendeu ter. Evitar deliberadamente a organização cronológica das séries significa complicar eventuais abordagens historiográficas ao trabalho do artista.
Os intervalos e os saltos temporais que a ordem alfabética impõe à leitura das obras promove uma concentração da atenção do leitor na singularidade de cada série e desencoraja as tentativas de encontrar na sua sucessão uma linha evolutiva. Cata Log Cata Strofe funciona como um corte sincrónico que expõe a totalidade da obra de Mattia Denisse num mesmo momento. A lógica diacrónica não tem lugar no universo do artista. O tempo nem passa nem volta. Tudo coexiste em infinita horizontalidade.»
Bruno Marchand, em «Prefácio»

«Para Denisse, ‘texto e imagem têm exatamente o mesmo valor e o mesmo estatuto, enquanto elementos que colaboram no desvendar do seu universo artístico particular’, deste modo, ‘tudo o que é da ordem da realidade, mas também da surrealidade, do sonho, do fantasma, do espanto e dos fenómenos subtis, tem cabimento’, na expressão do artista, a par de ‘um certo apreço pelo estudo e pelos métodos científicos’.»
«Culturgest inaugura "mais extensa" exposição do artista francês Mattia Denisse», Expresso (24.06.2022)

«Falemos agora do livro (…) O livro é, e não é, um catálogo da exposição. Mattia Denisse trabalha sempre a imagem e o texto, joga com as palavras, a sua construção e a sua sintaxe, como joga com as formas visuais. Combina o português e o francês numa nova língua que deve, e muito, à anti-arte dadaísta, a Alfred Jarry e tantos outros, que quiseram, de facto, partir do zero, também no texto.»
Luísa Soares de Oliveira, «Tudo e mais alguma coisa», Ipsilon/Público (27.07.2022)

«A ideia para Cata-log cata-strofe era fazer um livro de literatura no sentido mais abrangente do termo. Queria que as pessoas pudessem ler este livro como se estivessem a ler um romance. O livro de bolso permite isso, pois há livros de bolso de romance, de história, de ciências, de artes... A única coisa que têm em comum é o formato. Fizemos aquilo que se faz num livro deste tipo, mas ao contrário: o texto principal ocupa a parte central, onde normalmente estão as imagens. A intenção foi criar espaço para os títulos, que muitas vezes são quase textos. Cata-log cata-strofe oferece-nos a possibilidade de pôr as obras junto com os seus títulos e de dar títulos aos títulos. As imagens a preto e branco funcionam como mnemónicas, como os “Desenhos tautológicos” relativamente aos seus desenhos originais. Mas as técnicas mnemónicas tornam-se obsoletas com o desconhecimento ou esquecimento do que se quis lembrar. A função do desenho torna-se inoperante, logo o desenho torna-se autónomo. Torna-se desenho.»
Catarina Rosendo, Mattia Denisse, «Mattia Denisse: o Erro como «Lugar da Verdade» — uma conversa com Catarina Rosendo», Revista Contemporânea (08.2022)

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 “JINGLE DO PROGRAMA: Ah ah, e acrescentou, por agora, nada mais. ZZZZZZ… Estás em directo com Poulp-Ubique, o programa omnipresente nos teus ouvidos ZZZZZZ… quando o ouves… ouves-me! Ouve-me até à tua total obliteração no todo.
CORO: Ó, presente omnipresente!
ARTHUR DESSINE: O tempo, dizia eu. Quando? E aqui escancaro três portas entreabertas. O presente, o futuro e o passado. Poulp-Ubique é um programa no Presente, no omnipresente! O Presente com um P maiúsculo. O Presente que é a única utopia na qual vale a pena pensar, e, como dano colateral, viver! Dos três tempos, o Presente é o mais paradoxal, porque responde sempre «Presente!», tal e qual um prisioneiro ou um aluno zeloso o faria. Está, no entanto, sempre ausente: «O que eu sou não sei, o que eu sei não o sou», disse Angelus Silesius.
CORO: Ó, futuro capital!
ARTHUR DESSINE: Poulp-Ubique é um programa no Futuro! Logicamente, trataremos o Futuro como deve ser, com um F capital! E isto graças ao poder e à técnica dos augures que alguns convidados dominam na perfeição (capacidade que assenta na leitura dos presságios que virão antes de nós). Contudo, não faremos apostas tolas sobre o futuro. Que os profetas da desgraça sejam todos amaldiçoados.
CORO: Ó, massa informe! Ah, textura gelatinosa! Ó, pudim!
ARTHUR DESSINE: Quanto ao Passado, é, por assim dizer, o tempo mais presente dos três, porque, e ao contrário do que parece indicar, está aqui e agora gravado para sempre no espaço-tempo. Para o visualizar, imaginem um aglomerado de engramas; uma massa informe que tem a textura gelatinosa de um pudim esbranquiçado, no qual flutuam pedaços mais rijos e condensados. O Passado será uma muleta com a qual poderemos contar em caso de dúvida.
VOZ-OFF: Uf!”

Mattia Denisse, «Rádio Ubique»
MATTIA DENISSE (Blois, França, 1967) vive em Lisboa desde 1999. Estrangeiro ou extraterrestre, Mattia Denisse nunca se sentiu de nenhum lado. Por não ter paciência para esperar ser condenado por outros ao exílio, viajou. Pela Europa, África e Brasil, procurando algures o que poderia ter provavelmente achado se ficasse lá onde estava. Como “é preciso traficar alguma coisa enquanto se espera que a noite venha”, escolheu a arte ou a arte escolheu-o, como meio, para sobreviver. Aos 7 anos e meio, instala-se no meio da planície no campo vizinho com um cavalete e uma tela e pinta uma paisagem de montanha que forma uma baía, no horizonte, com o mar. Descobre, espantado, “que a arte é o lugar de todos os possíveis”. Depois da pintura como iniciação, explorará sobretudo a instalação como “espaço trópico”: projeto de reconstrução à escala planetária de uma “paisagem paradigmática”. O conjunto destas obras seria o ressurgir “de um paraíso” do qual se reencontrasse os fragmentos dispersos à superfície do globo. Em 2006, parte para Cabo Verde onde experimenta a insularidade. Nesta vida, onde o tédio é uma condição sine qua non do destino, escreve e desenha, que são, para ele, dois meios de passar, sem intermediários, de um pensamento a “qualquer coisa”. De regresso a Lisboa, Mattia Denisse dedicou-se quase exclusivamente ao desenho e à escrita, trabalho centrípeto em relação ao lado centrífugo das viagens.




Tuesday Oct 5 2021