Capa mole, offset, 250x190mm, 256 pp.,
2 capas diferentes,
500 exemplares.


Duplo Vê
O Tautólogo


Mattia Denisse

textos: O título é = à soma de todos os títulos por Mattia Denisse;
Nota do editor: tradução literária por Rui de Almeida Paiva e tradução gráfica por Sofia Gonçalves
edição: Rui Almeida Paiva e Sofia Gonçalves
revisão: Lígia Afonso, Rui Almeida Paiva, Sofia Gonçalves
desenhos: Mattia Denisse
design: Sofia Gonçalves





Existe uma tentação provavelmente tão antiga como a aparição do homem: o desejo de ver outras realidades atrás da realidade. Esta disposição multiplica infinitamente as possibilidades de interpretação e o significado das coisas e impossibilita a nomeação das coisas tal e qual como elas são. Este atavismo — ver atrás das coisas outras coisas — nasce duma deformação ocular de Deus, um estrabismo convergente tão pronunciado que se traduz num desdobramento. Estas realidades, assimptotas, não são mais do que o reflexo simétrico do mesmo, uma Tautologia.

Duplo vê é, ao mesmo tempo, o nome em extensão da letra W (inspirado no título de George Perec, W ou les souvenirs d’enfance) e também o “duplo ver” de um Deus vesgo. Duplo vê, O Tautólogo (nome dado ao demiurgo criador da tautologia) poderia ter um outro subtítulo: “Ensaio sobre o estrabismo de Deus”.

O livro representa um dos tentáculos do projecto Duplo Vê, que se compõe também pelo site dupluvedupluvedupluve.com e pelas exposições apresentadas na Casa das Histórias – Museu Paula Rego (29 de setembro a 13 de novembro de 2016) e Galeria Zé dos Bois (22 de abril a 24 de junho de 2017).

dupluvedupluvedupluve.com

«A partir de uma ‘deficiência ocular de Deus’, Mattia fixa o enigma da compreensão do mundo: as coisas são como são (independentemente de como as vemos) ou a realidade é infinitamente inatingível e misteriosa?»Catarina Alfaro, texto curatorial da exposição na Casa das Histórias.

«Mattia Denisse é uma figura discreta no meio artístico português mas esta publicação, e as exposições que a antecederam, demonstram a originalidade e o fulgor do trabalho deste artista. (...) O que este livro tem de exemplar é a articulação impassiva entre ideias, nomenclaturas e as sombras que estas fazem vislumbrar.»
João Seguro, «Duplo Vê: o tautólogo de Mattia Denisse», Revista Contemporânea/secção Guarda-Livros.

Apoio: República Portuguesa/DGartes, ArteCapital, Buala, Nouvelle Librairie Française, Pato em Pequim.

PRÉMIO DESIGN DE LIVROS 2018 (DGLAB).


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A velha pergunta… O Tautólogo! Deus Vesgo ou Deus ébrio? Deus Vesgo e Deus ébrio. São mais dois nomes a acrescentar à lista infinita dos seus nomes que são antes de tudo a denominação das suas qualidades. Mas é proibido pronunciar o seu verdadeiro nome, como se existisse atrás dele um segredo inconfessável. Todavia, no caso que nos ocupa, a proibição é derisória, c’est une ruse, porque o Nome é simplesmente impossível de articular: é a lista exaustiva de tudo o que é. E as histórias, também fazem parte da teimosia do real em ser unicamente o que é?
Claro. Mesmo as obras da imaginação são idiotas e Deus, que é a melhor e maior de todas elas, não escapa a esta armadilha tramada.

Mattia Denisse, «O mundo é idiota», dupluvedupluvedupluve.com


Sou cego e surdo. E velho. E gostava de ouvir cada pa-la-VRA. Até à última sí-la-BA. Dito isto, estalou o ovo da primeira palavra. Quando saiu da casca, a palavra não se calava. Cala-te! Mas a primeira palavra não se calava. Ao repetir-se, pensava ela, seria ouvida. Deixei-a tagarelar  até se cansar . Fui paciente. Com o silêncio, disse-lhe serenamente quando a apanhei a jeito, talvez chegues mais longe.

Rui de Almeida Paiva, «Nota do editor», Duplo Vê: o Tautólogo

MATTIA DENISSE (Blois, França, 1967) vive em Lisboa desde 1999. Estrangeiro ou extraterrestre, Mattia Denisse nunca se sentiu de nenhum lado. Por não ter paciência para esperar ser condenado por outros ao exílio, viajou. Pela Europa, África e Brasil, procurando algures o que poderia ter provavelmente achado se ficasse lá onde estava. Como “é preciso traficar alguma coisa enquanto se espera que a noite venha”, escolheu a arte ou a arte escolheu-o, como meio, para sobreviver. Aos 7 anos e meio, instala-se no meio da planície no campo vizinho com um cavalete e uma tela e pinta uma paisagem de montanha que forma uma baía, no horizonte, com o mar. Descobre, espantado, “que a arte é o lugar de todos os possíveis”. Depois da pintura como iniciação, explorará sobretudo a instalação como “espaço trópico”: projeto de reconstrução à escala planetária de uma “paisagem paradigmática”. O conjunto destas obras seria o ressurgir “de um paraíso” do qual se reencontrasse os fragmentos dispersos à superfície do globo. Em 2006, parte para Cabo Verde onde experimenta a insularidade. Nesta vida, onde o tédio é uma condição sine qua non do destino, escreve e desenha, que são, para ele, dois meios de passar, sem intermediários, de um pensamento a “qualquer coisa”. De regresso a Lisboa, Mattia Denisse dedicou-se quase exclusivamente ao desenho e à escrita, trabalho centrípeto em relação ao lado centrífugo das viagens.
Tuesday Oct 5 2021