Capa mole
c/ encadernação suíça, mimeografia, 210x148mm, 56 pp.,
100 exemplares numerados.
Efeito Kuleshov
Joana Bértholo, Rui de Almeida Paiva
e Sofia Gonçalves
textos: Joana Bértholo, rui almeida paiva (e outros)
design: Sofia Gonçalves
︎esgotado
Lev Kuleshov, cineasta Russo (1899-1970), mostrou a importância da edição
(montagem) enquanto ferramenta essencial no cinema. Utilizando esta técnica
percebeu que o significado de uma sequência pode depender apenas da relação
subjectiva que cada espectador estabelece entre imagens ou planos que,
isoladamente, não possuem qualquer sentido. Uma das suas experiências cinematográficas
consistiu em intercalar o plano onde surgia um actor inexpressivo com os planos
de um prato de sopa, de uma criança num caixão e de uma mulher semidespida.
Como resultado, apesar do plano do actor ser sempre o mesmo, a audiência
encontrou no rosto do actor a expressão de fome, de piedade e de desejo.
Efeito Kuleshov é um livro em plena admiração pela edição cinematográfica e pela forma como vemos imagens, ao transpor para o formato de um livro mecanismos que são íntimos do cinema. Como um exercício, testa as aproximações entre a edição cinematográfica e a edição literária tomando por matéria: textos originais, textos e imagens, e apropriados princípios inerentes à página editorial.
Efeito Kuleshov é uma edição Dois Dias e Amor-Livr’o.
Efeito Kuleshov é um livro em plena admiração pela edição cinematográfica e pela forma como vemos imagens, ao transpor para o formato de um livro mecanismos que são íntimos do cinema. Como um exercício, testa as aproximações entre a edição cinematográfica e a edição literária tomando por matéria: textos originais, textos e imagens, e apropriados princípios inerentes à página editorial.
Efeito Kuleshov é uma edição Dois Dias e Amor-Livr’o.
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A) Jean Pierre ficou especialmente intrigado com a peculiar gaiola que aparece
misteriosamente desenhada num cantinho da primeira folha do documento.
Decifrando a cronologia do desenho, compreendeu que cada linha representava um
ano de vida desse diário (método de contabilização do tempo), sendo a portinha
a excepção. Esta abertura parece ter sido concluída somente em vésperas da sua
trágica morte.
Tudo indica que a gaiola terá sido desenhada com a porta fechada. Entretanto, por meados de 1865, Victor Hugo foi atacado por uma certa limpeza carnal e tornou-se obcecado pelos seus votos de castidade que decidiu respeitar também com o seu diário, deixando o manuscrito imaculado, em segurança, num local insuspeito onde a sua esposa não o pudesse descortinar.
Poucas horas antes de morrer, aos 83 anos, Victor Hugo retoma o seu diário, há trinta anos abandonado, e apaga meticulosamente a portinhola, redesenhando-a num gesto rápido, aberta. Após tal marcação final no seu diário, foge de casa para fazer amor com a sua perene amante, Juliette Drouet.
Atravessando um agressivo inverno a pé para atingir o destino desejado, foi em sua salvação a sua filha mais devota, que o encontrou deitado na neve junto a uma estação ferroviária em pleno breu. Nessa noite os dois tiveram uma longa e terminal conversa onde Victor Hugo declara o seguinte:
— A minha última meta é chegar ao início, sabes ao que me refiro? Procurar, procurar sempre onde ele possa estar.
— Parece-me ridículo, a poucos metros da meta, abandonares o que sempre acreditaste e tentares o possível – disse-lhe a filha.
Entretanto o alvorecer começou a azular-lhe os lábios, o nariz e as mãos, e os seus pés emagreceram-lhe de súbito, ou melhor, mirraram de tal modo que os sapatos tombaram para o lado, vazios. As suas derradeiras palavras foram: «A última caminhada de um moribundo é especialmente significativa. A minha foi interrompida. Tal como o que não acaba tende para o infinito, estou finalmente livre para não chegar ao fim. Não te esqueças que antes de fugir, deixei atrás de mim a porta aberta.» Na manhã de sete de novembro, às seis horas e cinco minutos, Victor Hugo faleceu discretamente.
B) Quando Kurt Vonnegut morreu, foi descoberto junto a ele este rascunho de uma gaiola de pássaro vazia, com a porta aberta. Por debaixo da imagem estava escrito um simples «Kurt Vonnegut Jr. 1922-2007» junto a um «Free at last».
Rui de Almeida Paiva e Joana Bértholo, Efeito Kuleshov.
Tudo indica que a gaiola terá sido desenhada com a porta fechada. Entretanto, por meados de 1865, Victor Hugo foi atacado por uma certa limpeza carnal e tornou-se obcecado pelos seus votos de castidade que decidiu respeitar também com o seu diário, deixando o manuscrito imaculado, em segurança, num local insuspeito onde a sua esposa não o pudesse descortinar.
Poucas horas antes de morrer, aos 83 anos, Victor Hugo retoma o seu diário, há trinta anos abandonado, e apaga meticulosamente a portinhola, redesenhando-a num gesto rápido, aberta. Após tal marcação final no seu diário, foge de casa para fazer amor com a sua perene amante, Juliette Drouet.
Atravessando um agressivo inverno a pé para atingir o destino desejado, foi em sua salvação a sua filha mais devota, que o encontrou deitado na neve junto a uma estação ferroviária em pleno breu. Nessa noite os dois tiveram uma longa e terminal conversa onde Victor Hugo declara o seguinte:
— A minha última meta é chegar ao início, sabes ao que me refiro? Procurar, procurar sempre onde ele possa estar.
— Parece-me ridículo, a poucos metros da meta, abandonares o que sempre acreditaste e tentares o possível – disse-lhe a filha.
Entretanto o alvorecer começou a azular-lhe os lábios, o nariz e as mãos, e os seus pés emagreceram-lhe de súbito, ou melhor, mirraram de tal modo que os sapatos tombaram para o lado, vazios. As suas derradeiras palavras foram: «A última caminhada de um moribundo é especialmente significativa. A minha foi interrompida. Tal como o que não acaba tende para o infinito, estou finalmente livre para não chegar ao fim. Não te esqueças que antes de fugir, deixei atrás de mim a porta aberta.» Na manhã de sete de novembro, às seis horas e cinco minutos, Victor Hugo faleceu discretamente.
B) Quando Kurt Vonnegut morreu, foi descoberto junto a ele este rascunho de uma gaiola de pássaro vazia, com a porta aberta. Por debaixo da imagem estava escrito um simples «Kurt Vonnegut Jr. 1922-2007» junto a um «Free at last».
Rui de Almeida Paiva e Joana Bértholo, Efeito Kuleshov.
JOANA BÉRTHOLO, escritora e dramaturga, nasceu em Lisboa, em 1982. Licenciada em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e Doutorada em Estudos Culturais pela European University Viadrina, na Alemanha. Publicou na Editorial Caminho vários romances, livros de contos e literatura infantil. Ecologia, o seu último romance, foi semifinalista do Prémio Oceanos 2019, finalista do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, finalista do Grande Prémio de Literatura DST e nomeado para o Grande Prémio Adamastor de Literatura Fantástica Portuguesa 2019. O Museu do Pensamento recebeu o prémio de melhor livro infantojuvenil da Sociedade Portuguesa de Autores 2018 e do Prémio Literário de Fátima na mesma categoria. Recebeu diversos outros prémios: Prémio Jovens Criadores 2005; Menção Honrosa no Prémio Nacional de Literatura Juvenil Ferreira de Castro (1998); Melhor Argumento para BD (SOSracismo e editora Baleiazul, 1999); Prémio Escrevendo a Partir da Pintura (Fundação Calouste Gulbenkian, 2000); Melhor Ensaio O Movimento Olímpico (Comité Olímpico Português, 2000); Prémio Jovens Criadores – Literatura (Clube Português de Artes e Ideias, 2005); Menção Honrosa no Prémio UP-Utopia (Universidade de Letras do Porto, 2005); 1.º lugar no Concurso Literário Persona (2006). E finalmente o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho (CMLoures, 2009) para o seu primeiro romance Diálogos para o Fim do Mundo (editorial Caminho, 2010).
RUI DE ALMEIDA PAIVA tem trabalhado para diversos projectos de teatro, dança e cinema.
Conta com os seguintes livros publicados: A Mala Rápida do Senhor Parado(2010, editora Trinta por Uma Linha); Quem viaja encontra os segredos antigos mas perde os sapatos novos (2014, Dois Dias Edições); Efeito Kuleshov, com Joana Bértholo e Sofia Gonçalves (2014, Dois Dias Edições); Ministério da Educação (2015, editora Douda Correria); O Ploc do Pollock (2016, editora Caminho); Canções de Embalar Belos Planetas Cansados (2018, editora Douda Correria); Quem Vem Lá? (2019 , editora Caminho); Se o Mundo é redondo o Pensamento é ao quadrado (2019, Dois Dias edições). A partir de 2017 iniciou colaboração teatral com Bruno Humberto. Desde então escreveram e encenaram as peças O Ploc do Pollock (2017), O Sequestro(2018), A Vila (2019), Interrupção – Pausa para Intervalos (2020),Peça para Intervalos (2021). Fez mestrado em Edição de Texto, na FCSH-UNL, em 2013 – com a tese Jean Rouch: o cineasta da máquina de escrever ou o escritor da câmara de filmar, explorando a hipótese do trabalho de edição a partir da tradição oral. Escreveu e realizou o filme A Ilha Invisível (Produções Cedro Plátano), estreado no DocLisboa 2018. No âmbito da edição, fundou em 2011, com Sofia Gonçalves, a editora Dois Dias.
SOFIA GONÇALVES centra a sua actividade na exploração das relações entre as práticas editoriais e o design de comunicação, bem como da reflexão em torno das economias da publicação e respetivas políticas editoriais. Desenvolve projetos onde a edição é entendida como género literário ou artístico. Fundou, com Rui Almeida Paiva, a editora DOIS DIAS, que testa as sobreposições possíveis entre arte e literatura.
RUI DE ALMEIDA PAIVA tem trabalhado para diversos projectos de teatro, dança e cinema.
Conta com os seguintes livros publicados: A Mala Rápida do Senhor Parado(2010, editora Trinta por Uma Linha); Quem viaja encontra os segredos antigos mas perde os sapatos novos (2014, Dois Dias Edições); Efeito Kuleshov, com Joana Bértholo e Sofia Gonçalves (2014, Dois Dias Edições); Ministério da Educação (2015, editora Douda Correria); O Ploc do Pollock (2016, editora Caminho); Canções de Embalar Belos Planetas Cansados (2018, editora Douda Correria); Quem Vem Lá? (2019 , editora Caminho); Se o Mundo é redondo o Pensamento é ao quadrado (2019, Dois Dias edições). A partir de 2017 iniciou colaboração teatral com Bruno Humberto. Desde então escreveram e encenaram as peças O Ploc do Pollock (2017), O Sequestro(2018), A Vila (2019), Interrupção – Pausa para Intervalos (2020),Peça para Intervalos (2021). Fez mestrado em Edição de Texto, na FCSH-UNL, em 2013 – com a tese Jean Rouch: o cineasta da máquina de escrever ou o escritor da câmara de filmar, explorando a hipótese do trabalho de edição a partir da tradição oral. Escreveu e realizou o filme A Ilha Invisível (Produções Cedro Plátano), estreado no DocLisboa 2018. No âmbito da edição, fundou em 2011, com Sofia Gonçalves, a editora Dois Dias.
SOFIA GONÇALVES centra a sua actividade na exploração das relações entre as práticas editoriais e o design de comunicação, bem como da reflexão em torno das economias da publicação e respetivas políticas editoriais. Desenvolve projetos onde a edição é entendida como género literário ou artístico. Fundou, com Rui Almeida Paiva, a editora DOIS DIAS, que testa as sobreposições possíveis entre arte e literatura.