Capa mole
c/ encadernação suíça, offset, 230x155mm,
172 pp., 300 exemplares.


Estação Vernadsky


Soraia Vasconcelos e Susana Gaudêncio (eds.)





Estação Vernadsky parte de um projecto de residência artística em Sines que envolveu cinco artistas plásticos, um músico, um geógrafo, um historiador, um neurocientista, uma designer, um programador e uma editora, numa experiência em torno das ideias de Vladimir Vernadsky e, em particular, do seu conceito de noosfera.

O pensamento de Vladimir Vernadsky (Império Russo, 1863 – URSS, 1945) exprime uma noção sistémica da realidade. Advindo da geologia, considera a acção da vida biológica (biosfera) sobre a matéria inerte (geosfera), enfatizando o modo absolutamente decisivo em que a primeira altera, molda e faz evoluir a segunda.

Durante as pesquisas iniciais em torno de Vernadsky, a obra dos irmãos Arkady e Boris Strugatsky – traduzida para Stalker ou Piquenique na Estrada, dependendo da edição portuguesa consultada – tornou-se relevante. Foi a partir dela que ficámos a saber que visitações alienígenas originaram seis ‘zonas’ em diversas localidades terrestres. Foi em 2014 que colocámos, pela primeira vez, a hipótese de Sines ter sido uma dessas seis localidades. Partindo do princípio que a Terra é um organismo vivo, em que medida o conhecimento humano tem um impacto transformador no seu "corpo"? E se Sines for o epicentro desse "corpo" em metamorfose? Tomámos então medidas para montar um posto de observação. Pensámos que, tendo a ciência falhado em dar sentido aos acontecimentos, seria de experimentar o ponto de vista da arte.

São também seis as zonas que estruturam este livro e resumem o nosso olhar sobre a cidade de Sines e sobre as circunstâncias que a moldaram e que a tornaram um dos nós de um sistema maior, convocando diversos aspectos da existência humana. A técnica, a indústria, os efeitos sobre a paisagem e sobre os modos de vida, as questões de equilíbrio ou desequilíbrio, bio-geológico mas também cultural, psicológico, social ou económico, as vontades do passado e do presente e as projecções para o futuro desta região, são dimensões invocadas pelos propósitos da Estação Vernadsky.

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Começámos finalmente a construir a Estação Vernadsky para termos um ponto fixo de onde ver a noosfera a passar. Havia algum cimento (de péssima qualidade), uns azulejos muito belos que pertenciam ao palácio de um aristocrata russo e estamos à espera de uma porta que nos foi prometida pelas autoridades locais.

O terreno que nos foi cedido pela Junta é bastante acanhado, muito estreito e com a entrada praticamente em cima de uma rua empedrada. A cavalo dado não se olha o dente. Atrás há uma grande muralha que nos abriga dos ventos do norte mas que interfere com as telecomunicações e não nos deixa ver metade da abóbada celeste. O sol bate-lhe de testeira durante quase todo o dia, originando temperaturas insuportáveis. Vamos pintá-lo de transparente depois de acabarmos as sondagens que nos permitam ver o que é que a transparência nos vai deixar vislumbrar. Não parece prometedor. Existe outra hipótese que é forrar tudo com um espelho imenso virado para o céu. Tememos pelas gaivotas: umas vão estatelar-se contra as suas próprias imagens e outras vão pôr o vidro a escorrer esterco. Sempre que chover ficará limpo. Esperemos.
(…) Notamos que a cobertura da Estação começou a rachar por uma esquina e a biosfera já por lá se ensaia com umas ervas que nascem secas, mas nascem.

Álvaro Domingues, «Estação Vernadsky».

SORAYA VASCONCELOS é artista, docente e investigadora contratada pelo ICNOVA (2019-2021) para o projecto Photo Impulse. Lecciona no curso de Fotografia da Universidade Lusófona. O seu trabalho artístico diversifica-se pela prática da fotografia, desenho e gravura, publicações e instalações. Em 2005 foi seleccionada para o primeiro Curso de Fotografia do Programa Gulbenkian Criação e Criatividade Artística, do qual surgiu o colectivo de fotógrafos DOZE, com quem desenvolveu trabalho na área da fotografia e edição, nomeadamente “Paisagem e Povoamento”. Participa na Porto Summer School on Art & Cinema 2021 : Survivance; na exposição Imagens com Vida Própria com curadoria de Sandra Vieira Jurgens (Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira  – BF18); Estação Vernadsky, projecto colectivo e interdisciplinar, proposto em conjunto com Susana Gaudêncio e decorrido em Sines (2017), com o apoio do Centro Cultural Emmérico Nunes, C.M.Sines, DGArtes e F.C. Gulbenkian, do qual resultaram exposições, um website e um livro; na exposição colectiva “O Olho”, na Ler Devagar – Campo Grande 111 (2015); e na Rede de Residências – Experimentação, Arte, Ciência e Tecnologia, (2007).

SUSANA GAUDÊNCIO é artista.  Entende a produção artística como plataforma para encontrar novas possibilidades de problematização da utopia, enquanto dispositivo crítico do quotidiano, eminentemente político. Publicou, entre outros, o livro Época de estranheza em frente ao mundo (2012, DOIS DIAS); Luz Perpétua (2014, Fundação EDP); Repertório: histórias e estórias de cartazes (2016, publicação produzida no âmbito de “Your body is my body. Coleção de Cartazes de Ernesto de Sousa”, Museu Coleção Berardo, Lisboa). Comissariou a exposição “Viagens de livros. O livro de artista nos 25 anos da ESAD.CR” (MiMO, Leiria, 2015), e a exposição “Páginas Inquietas: sobre documentos insubmissos” (Espaço Mira, Porto, 2016). É membro fundador do “Círculo de Leitoras Peripatéticas”, com Sofia Gonçalves e Susana Pomba. Coordenou o Programa Educativo da Trienal de Arquitectura de Lisboa e da Casa da Arquitectura em Matosinhos. É docente no Mestrado de Artes Plásticas/ESAD, Caldas da Rainha.

ANA TERESA ASCENSÃO (Lisboa, 1981) é designer e docente na área de Design Gráfico e Multimédia na Escola Superior de Artes e Design da Caldas da Rainha (ESAD.CR) desde 2013. Mantém desde 2005 a plataforma ATA Design (ata-design.net), onde desenvolve a prática do design de comunicação para instituições culturais, sociais e projectos artísticos, como sejam o ALKANTARA FESTIVAL ou a produtora de cinema TERRATREME; bem como do design de interacção para ambientes digitais, dos quais destaca a sua participação nos projectos LISBON BY SOUND, de Tim Etchels (artista na cidade 2014) e o 1SPACE.WORLD, rede europeia para a criação artística e multidisciplinar com o eixo no Médio Oriente-África. Em 2017 co-fundou, em parceria com a fotógrafa Lana Almeida, a LATA edições, na qual propõem um modelo editorial multidisciplinar, de auto-edição e publicações de autor.
Tuesday Oct 5 2021